quarta-feira , 18 junho 2025

Ainda há tempo e é preciso virar esse jogo

Editorial


O racismo no futebol cada vez mais se mostra sem fronteiras e está muito longe do fim. Está entranhada em todos os setores, sem distinguir idade, classe ou qualquer outro tipo de limitação na sociedade racista.

Infelizmente o futebol voltou à cena com mais um caso que passa a ser apurado com acusador e acusado tendo que a partir de agora, se resolver na justiça (qual justiça?). Independente de onde chegar o caso denunciado na partida entre Goytacaz e Búzios, no último final de semana, em Campos e que teria sido praticado pelo presidente do Conselho Deliberativo do time da casa, contra um atleta adversário, o tema volta à tona e com ele todos os questionamentos que devem o permear.

No caso ocorrido em Campos, mais uma vez o que foi registrado foi graças aos torcedores que ao tomarem ciência do ocorrido passaram a filmar e fotografar, pois caso contrário, como se tratava de uma partida sem transmissão e cobertura jornalística, passaria sem ser percebido, ou seja, poderia ser mais um dos milhares que ocorrem a todo instante mundo afora.

Temos visto nos estádios recentemente diversos casos sendo protagonizados e na grande maioria os torcedores dos próprios clubes, acabam apontando e denunciando o agressor, o que tem sido em muitos casos contundente.

O racismo é praticado por parte de torcedores, de jogadores e de dirigentes. As leis e suas eficácias ainda são uma barreira e essa também parece intransponível, estando bem no fim da fila numa escala de crimes considerados pesados para as autoridades. No caso do futebol, os torcedores flagrados em cenas de racismo, raramente são levados à delegacia, e o final da história já conhecemos também.

Ainda tem os que preferem dizer que “racismo agora é moda”, e os que pensam desta forma estão afirmando que o racismo faz parte do comportamento e do costume social. O racismo sempre existiu, sendo que agora mais combatido e a quem incomoda, é porque é racista, mesmo que sem se dar conta.

É inadmissível achar que quem sofreu racismo quer passar por tal constrangimento, inventar algo do tipo para se promover ou para prejudicar o outro. Ter a ciência de que foi discriminado pela cor é doloroso e só o discriminado pode entender e saber que dói tanto que o primeiro passo muitas vezes é evitar, e só depois perceber que precisa lutar para que atitudes desse tipo não mais aconteçam.

Voltando especialmente ao caso ocorrido no jogo entre Goytacaz e Búzios, o dirigente alvianil, que é um homem público e acostumado a lidar com as mais diversas classes sociais e raciais ao longo de sua trajetória, sabe bem que ao confirmar que falou: ‘Valeu, Negão!’, não agiu corretamente, nem como dirigente e nem mesmo como cidadão, mas pode parecer que no calor da emoção de um campo de futebol, essas questões ainda possam passar, mas não.

“Valeu, Negão!” pode até ser ainda concedido em casos muito íntimos, familiares, amizade plena e cada vez mais restritos, em ambientes não públicos. É necessário ver contexto, intimidade, confiança. Será que a pessoa fica à vontade ao ser chamada assim? Em casos como esse, a percepção do todo é importantíssima.

Ainda há uma caminhada longa contra o racismo, mas passos importantes foram dados e agora ninguém quer voltar. Tem uma frase de Emicida que registra bem isso: “A gente só briga pra poder parar de brigar.”.

Já que o Goytacaz é o time de todas as classes e reúne a atenção de milhares, por que não promover uma campanha a partir de já? Isso mesmo, assume o erro, a falha, ou que classifiquem ‘apenas’ uma grosseria ou como o mal-entendido, e dê um passo à frente, use sua força e impulsione uma campanha contra o racismo. Seria uma forma contundente de usar seu potencial e conhecido poder de mobilização.

O clube não se pronunciou publicamente a respeito e nem deu uma satisfação a seus torcedores. Apenas a confirmação por parte do dirigente que declarou que consta no Boletim de Ocorrência na 134a Delegacia de Polícia, de que declarou ao atleta, o ‘Valeu, Negão!”.

Uma campanha bem feita e principalmente para cumprir um papel digno e honrado poderia se transvestir pela sociedade reconhecendo o fato em “Valeu, Goytão!”.

O que ocorre sempre é que as cenas comovem um pequeno grupo e em poucos instantes o assunto já não domina mais as discussões. Não se pode limitar apenas ao que os clubes e as federações muitas vezes fazem que é de postar frases bonitas, pregar respeito, e só. A Fifa, a Uefa, a Conmebol, a CBF e a FERJ, ou seja, todas as instâncias já fizeram campanhas, placas, propagandas nos estádios, mas os casos seguem ocorrendo frequentemente.

A Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj) ainda vai se pronunciar a respeito do caso e baseado na Súmula da Partida, que até então não havia sido divulgada.

Em agosto deste ano, durante o Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol, foi divulgado o Relatório Anual de Discriminação Racial referente ao ano de 2021 – além de casos de preconceito contra raça, também contabilizou manifestações de machismo, homofobia e xenofobia no esporte. O levantamento aponta que cresceu o número de manifestações de intolerância no esporte em relação a 2020, e com relação ao ano de 2022, os números também já haviam chegado ao mesmo patamar de 2021.

“Cada vez mais os jogadores estão entendendo que ser xingado de macaco dentro de campo por colegas ou pela torcida não faz parte do futebol”, comentou Marcelo Carvalho, diretor do Observatório de Discriminação Racial que também divulgou o vídeo publicado pelo atleta do Búzios, Carlos André.

c6d08428-da6b-42d9-a0dd-438f154f25dbPara encerrar aqui fica o importante registro do que o próprio Goytacaz fez em 20 de novembro de 2021, quando no dia da Consciência Negra publicou em suas redes sociais uma homenagem que tinha como símbolo principal o atacante Petróleo, um dos maiores ídolos da história do clube, que encarnava amor, paixão, vibração e tudo o que o torcedor mais quer ver no jogador que veste e honra as suas cores.

A história foi construída e segue sendo escrita por personagens como Petróleo, Valtair, Bel, Cosme, Cláudio Neves, Clóvis, Batata, Orlando, Souza, Wilson Bispo, Vandinho, Lukinha, Balotelli, Aldair, Joe, Gomes …

Goytacaz 1x1 América - FINAL SÉRIE B 2017 - 30.08 (72)

Crianças no Aryzão - fotos Raphael Bózeo - final Goyta x América 07Crianças no Aryzão - fotos Raphael Bózeo - final Goyta x América 13

Fotos: Carlos Grevi / Divulgação